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Passei uns dias numa casa de campo na cidade de Cerrito, zona sul
do Estado, e numa dada manhã, acompanhei a coleta de ovos no galinheiro. Ganhei um cestinho com uns para comer no café, e quando voltava um dos cães veio ao meu encontro, saltou faceiro, me bateu, derrubei e quebrei um dos ovos que levava. Fiquei chateada e me questionei, por que quebrei aquele ovo puro e forte? Simples, porque eu o tinha. Se fosse uma fruta ou outra coisa, ela teria caído. Então pensei: em meio a tanta gente sem alimento, sou uma privilegiada em poder carregar uma cesta com ovos frescos. Ali a vida me deu uma saracoteada pela primeira vez naquele dia.
Mais tarde saímos para caminhar, conhecer a propriedade, e num elevado do terreno, antes de um capão de mata nativa, avistei uma árvore de Capororoca linda, esguia, elegante, colorida, que dominava a paisagem com uma altivez inenarrável. Claramente me emocionei diante daquela maravilha da natureza. Como estava acompanhada pelo proprietário da terra, brinquei dizendo: "podes me dar esta árvore? Posso abraçá-la". Ele consentiu e disse: "sabes! ninguém jamais me fez um pedido destes. Então, colocaremos teu nome nesta árvore". Fiquei sensibilizada com aquela fala, e assim, no mesmo dia a vida me sacudiu pela segunda vez.
A tardinha, vendo o sol se pôr e a lua surgir num prateado estonteante, refletindo no açude figuras de animais e flores desenhadas pelas nuvens, viajei na criatividade, pensei na maravilha da criação, e a vida me balançou pela terceira vez naquele dia.
Ao deitar, havia silêncio e paz. Eu tive dificuldade em adormecer longe do murmúrio urbano que usualmente embala meu sono. Aproveitei para revisar o vivido naquela jornada, então percebi que, quando a vida nos saracoteia, o que derrubamos, sentimos ou vemos é o nosso ser, nossa emoção, nossos valores, nossa crença, nosso conhecimento, mas sobretudo nosso amor à vida, ao criador e à criação.
Nós somos um cestinho que leva o que somos, e ele vira nos esbarrões diários. A vida, ao nos sacudir, faz saltar nossa verdade. Até podemos viver no faz de conta que somos bons e virtuosos, mas quando a vida empurra, balança o essencial que existe, fazendo saltar a nossa natureza. Ela pode ser gentil, delicada, amorosa, mas também travestida de grosseria, soco e pontapé, fofoca, amargura, maldade e dureza.
Quando a vida fica difícil, nem sempre o que emerge é amor, alegria, gratidão, humildade, generosidade e luz.
Naquela noite, em que a lua sem ser convidada, invadiu meus aposentos, tive a certeza de que somos os únicos responsáveis pela cesta que carregamos, porque a vida nos saracoteia, mais do que imaginamos, e aí, o que derruba é a nossa essência, o que de verdade somos.
Caro leitor, já pensaste no que vai cair do teu cestinho quando a vida te sacudir?